A genderização da trajetória de vida (privada e profissional) e seus impactos na decisão da transição para o segundo/a filho/a
Num quadro de baixa fecundidade, em Portugal, marcado pelo adiamento dos
nascimentos, pela dificuldade em transitar para o/a segundo/a filho/a e pela elevada
incidência de filhos únicos, a presente investigação procurou compreender a relação entre
a decisão de ter ou não ter o/a segundo/a filho/a e as condições do mercado de trabalho e
das relações laborais, nomeadamente a sua genderização.
No projeto que iremos apresentar, seguimos uma abordagem qualitativa, baseada
em entrevistas a mulheres e homens qualificados, empregados nos setores público e
privado, que viviam em casal e tinham apenas um filho ou uma filha menor de idade.
Procurámos compreender como é que práticas, representações, valores e atitudes, no
mercado de trabalho e ambiente organizacional, mas também na vida familiar e na
conciliação, contribuem para o adiamento das decisões reprodutivas, nomeadamente a
decisão da transição para o/a segundo/a filho/a.
Entre as principais conclusões, ficou claro que apesar de existir um ideal de dois
ou mesmo mais filhos, incluindo no início da vida conjugal, a pressão exercida pelo
mercado de trabalho, as dificuldades ao nível da conciliação e a sobrecarga familiar, em
que as mulheres são as mais prejudicadas, promovem o adiamento dos nascimentos,
dificultando, ou mesmo impedindo, a transição para o/a segundo/a filho/a. A estrutura
genderizada da esfera pública e da esfera privada aprofunda um sistema de desigualdades
sociais de género e que tem impactos nas decisões ao longo do percurso de vida, quer na
trajetória profissional quer na trajetória familiar e percursos de parentalidade. Esta
socialização genderizada, que se reflete na vida privada e nas organizações, contribui
fortemente para reforçar as desigualdades entre homens e mulheres, criando formas de
organização das duas esferas que dificultam as decisões de fecundidade e o equilíbrio
social.